terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Desterritorialização do alimento gera perda de tradição


Por Ewerton Lombardi

A globalização da cultura alimentar é um processo contemporâneo que atrai o interesse de muitos estudiosos. Nos últimos quinze anos este assunto foi amplamente discutido em livros de sociologia, em teses acadêmicas e em revistas de nutrição, pelo fato de ser um indicador cultural muito objetivo de uma sociedade.

O modo de vida urbano impõe que cada pessoa adapte-se às condições de tempo, recursos financeiros, até mesmo locais para alimentar-se; a falta de tempo do homem contemporâneo exige preparos rápidos do alimento, limitando suas possibilidades.

A indústria alimentícia apresenta as soluções na oferta de alimentos de rápido consumo (fast-foods) e na produção de alimentos saborosos e de grande densidade energética. Por exemplo, os biscoitos e os achocolatados são padronizados e distribuídos mundialmente, a partir de uma estratégia global de mercado – o que gera um novo modo de comer, uma nova cultura mundial de consumo alimentar.

Apenas alguns dados para ilustrar o aumento da produção industrial de alimentos: segundo pesquisa realizada pela Datamark, a produção de alimentos congelados cresceu 126% no período de 1990 a 1996. No mesmo período a produção de biscoitos aumentou 108% e a de cereais em flocos, 426%.

Segundo a nutricionista Rosa Wanda Garcia, o processo de mudança da cultura alimentar traz consigo novas práticas alimentares, representadas “pela incorporação de novos alimentos, formas de preparo, compra e compra e consumo”, diz.

Renzo Fiorentini, 28, morou seis meses na China e afirma que a comida chinesa feita no Brasil sofre várias adaptações para ajustar-se ao nosso gosto: “Salvo alguns restaurantes tradicionais de São Paulo e algumas casas que ainda cultivam a cultura chinesa, os nossos restaurantes adaptam as especialidades da cozinha de Beijing (baseada em frituras e rica em temperos) comum no norte da China e um pouco da cozinha de Taiwan (alimentos feitos no vapor e vegetais) oriunda do sul”.

Ele explica que, além destas, existem ainda mais duas cozinhas tradicionais no país: a cozinha de Hong Kong, com base em vegetais e que predomina também no sul; e a cozinha do centro-oeste, extremamente picante, para disfarçar o gosto dos alimentos exóticos que são consumidos.

A afirmação de Fiorentini é ratificada pelo agrônomo Franz Fischler. Em seus estudos ele revela que a culinária dos restaurantes estrangeiros faz sua comida típica com o “molho” da cozinha receptora. Estas adaptações, segundo ele, afetam os produtos, os sabores e também as estruturas da culinária receptora. Desse modo novos pratos são criados, costumes e sabores de outros países passam a ser incorporados à culinária local.

Garcia exemplifica essa adaptação e incorporação da culinária estrangeira: “Há a pizza em sua versão original, a italiana, na versão brasileira, na versão americana e assim por diante”. “Estas versões já foram absorvidas, readaptadas e se desgarraram da original”, diz.

A desterritorialização do alimento seria a perda da identidade cultural no hábito de alimentar-se. Segundo Garcia: “Cerveja, biscoito e refrigerantes pertencem ao mundo”. E o que aconteceu com a comida tradicional típica? ”Perdeu sua peculiaridade. A comida deixa de ter vínculo territorial”.

Para o sociólogo Carlos Alberto Dória a culinária brasileira é composta pelas culturas indígenas e pelas heranças negra e ocidental ibérica. Ele considera que os brasileiros desconhecem seu rico repertório culinário pelo fato do país estar mais interessado nos valores estrangeiros do que na nossa própria origem.

Dória defende uma gastronomia sustentada na criação e redescoberta dos sabores brasileiros, com sistemas culinários distintos, equacionando a herança estrangeira com os costumes tradicionais, de forma que seja possível manter viva a identidade cultural da comida brasileira.
O consumo de dietas tradicionais, inclusive, tem sido alvo de receitas médicas, uma vez que indicadores de saúde – expectativa de vida, perfil de morbi-mortalidade – reconhecem melhores resultados em pacientes que não têm por hábito consumir alimentos industrializados.

Assista também a programa de televisão chinês que ensina sobre culinária tradicional:
Video 1
Vídeo 2


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